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sexta-feira, 15 de outubro de 2010

OPORTUNIDADES E OPORTUNISMOS, A OUTRA FACE DA CRISE

A crise é, hoje, tema de conversas e noticias por toda a parte: na Radio, na TV, nos Jornais, o assunto principal gira em torno da CRISE. Quem assim ouve tanta lengalenga, pode pensar que nós vivíamos em fartura e agora estamos tramados por essa desgraça que a principio fora apenas um grande calote do mercado imobiliário nos Estado Unidos da América. Convenhamos que Cabo Verde, com maior ou menor intensidade, sempre vive em crise; porque a nossa crise é de outra natureza; tem a ver com a falta de chuva, seca, ano de má colheita; isso sim, é que é crise para os cabo-verdianos. De modo que não tem sido fácil para qualquer um entender as jogadas que estão por de trás dessa grande encenação chamada de “crise financeira mundial” propalada a quatro ventos, em muitos casos com o propósito de criar um clima de insegurança e apreensão entre os trabalhadores e assim conseguir deles maiores sacrifícios, porquanto tem sido a classe sempre solicitada a “apertar o cinto”, nessas situações.

Hoje, a crise serve de desculpas para tudo, para encobrir incompetência e disfarçar mazelas que eventualmente nada têm a ver com a depressão económica no verdadeiro sentido. Assim, o pobre do trabalhador de uma das unidades hoteleiras do Sal terá sido despedido sob o pretexto de que a crise já desembarcou em Cabo Verde. Tendo assim uma boa desculpa, ninguém se esforça para encontrar outra explicação para as alterações no fluxo de trafego turístico para a ilha do Sal, que não seja a crise. Segundo consta, o trafego turístico para Cabo Verde aumentou substancialmente no primeiro trimestre de 2009 e a ilha do Sal provavelmente não registou a mesma pressão dos anos anteriores, não por causa da crise, mas pelo desvio do trafego para a Boavista. Como se sabe, a capacidade de acomodação na ilha da Boavista aumentou consideravelmente com a entrada em funcionamento do Hotel Riu Karamboa e hoje são operados mais de uma dezena de voos semanais directamente da Europa para o aeroporto de Rabil, o que não acontecia nos anos anteriores.

Não é por acaso que os chineses costumam dizer que as crises são momentos sublimes para se encher as burras ou influenciar pessoas. Continua ainda bem fresca a historia recente de um tal mercenário, trazido a peso de ouro, para num passe de mágica transformar uma certa empresa publica supostamente em crise, e a sua primeira decisão foi despedir mais de uma centena de trabalhadores de nível salarial inferior. Só que fazendo bem as contas, provavelmente, o que o dito mercenário recebeu entre salários, bónus e benesses deve ser muito superior à economia conseguida com tal redução de pessoal. Mas, como se costuma dizer, a corda estoira sempre do lado do mais fraco, e assim, na falta de capacidade para se desenvolver uma estratégia de gestão sustentável que viabilize uma empresa, a solução mais simplista que salta a vista é o despedimento de pessoal.

A nível mundial, destacadas personalidades e organizações sindicais têm denunciado uma onda de aproveitamento da crise para tomada de medidas contra os trabalhadores, aumentando o desemprego ou reduzindo direitos sociais em situações que nada tem a ver com a crise propriamente dita. No Brasil, por exemplo, um colectivo de mais de duas centenas de profissionais do foro judicial entre os quais se destacam juizes, promotores, procuradores e advogados, preocupados com a onda de aproveitamento oportunista da crise, assinaram um manifesto intitulado: “Contra o Oportunismo e em Defesa do Direito Social”, como forma de alertar o poder público a não embarcar na cantiga do patronato.

Economistas de renome internacional reconhecem também que o desemprego pode não ser a melhor alternativa para a superação da crise. Mais desemprego pode significar menos dinheiro a circular e por conseguinte menos consumo e agravamento da situação. E apontam a concertação social como a melhor via para a superação dessa crise global. A recuperação da economia mundial, como muitos admitem, não passa apenas pela distribuição de dinheiro aos bancos e grandes empresas, como requer também ajuda efectiva à classe mais desfavorecida.

Com efeito, a par do aproveitamento oportunista da situação que eventualmente possa ocorrer, há contudo, entre nós, quem considere ser a crise uma grande oportunidade de fazer negócios e promover o crescimento económico nacional. E não é para menos, se tivermos em conta os projectos de investimentos no ramo da imobiliária turística que vêm sendo anunciados e que envolvem milhões de Euros dos quais se destacam: Tortuga Beach Resort, Estrela Santiago, só para mencionar alguns. E até já foi anunciado a abertura de um novo banco, enquanto pelo mundo afora muitos bancos têm dificuldades em manter as portas abertas.

Publicado no Liberal em 22/04/2009
http://liberal.sapo.cv/noticia.asp?idEdicao=64&id=23116&idSeccao=527&Action=noticia

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