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quinta-feira, 30 de junho de 2011

OS RISCOS DE UMA GESTÃO DANOSA DO SISTEMA DE PREVIDENCIA SOCIAL


É quase impossível imaginar a sociedade contemporânea sem um sistema de segurança social pela importância que este tem como instrumento de combate à pobreza, de redução das desigualdades sociais e de melhoria do bem-estar social, cabendo-lhe igualmente um papel importante no sector económico pelo efeito multiplicador dos recursos injectados através do pagamento dos benefícios que em muitos países ronda a cifra dos 20% do BIP.

Obviamente que nem sempre foi assim. O que hoje conhecemos por segurança social, provavelmente, deve ter a sua origem nas acções esporádicas de caridade e assistência beneficente levadas a cabo por instituições religiosas para socorrer os indigentes na penúria e famílias depauperadas ao longo dos tempos. Na Roma antiga e posteriormente na idade média, surgiram as primeiras preocupações dos homens livres em encontrar alguma forma de se precaverem economicamente para enfrentarem situações de perda de capacidade laboral. Com efeito, é na Inglaterra do século XVII que vamos encontrar a primeira referencia da intervenção do Estado nessa matéria, onde foi adoptada a famosa lei de amparo aos pobres (Poor Relief Act). Mais tarde, no século XIX, na Alemanha, surgiram efectivamente os primeiros elementos da base jurídica do que é hoje a segurança social com a implementação por Otto Bismarck da lei de acidentes de trabalho, do seguro de doença, de acidente ou invalidez, entre outras.

A revolução francesa inspirada nos ideais de liberdade, igualdade e fraternidade trouxe uma nova abordagem às causas sociais, mas o impulso maior adveio da declaração Universal dos Direitos Humanos (1948) em que ficou expresso que  “Toda pessoa tem o direito a um padrão de vida capaz de assegurar-lhe a saúde, e o bem-estar próprio e da família, especialmente no tocante à alimentação, ao vestuário, à habitação, à assistência médica e aos serviços sociais necessários; tem direito à segurança no caso de desemprego, doença, invalidez, viuvez, velhice ou em qualquer outro caso de perda dos meios de subsistência, por força de circunstâncias independentes de sua vontade”.

Das manifestações iniciais de cunho essencialmente assistencialista através das casas de misericórdia, passando pelo regime mutualista, como por exemplo o Montepio, a segurança social aos poucos foi se convertendo num sistema universal no atendimento e assistência, através de um dos seus eixos de actuação que é o sistema de previdência social de hoje, em que “todos contribuem para todos”.

Se por um lado, é um instrumento insubstituível nas sociedades hodiernas,  também, não é menos verdade que em muitos países do ocidente esse sistema encontra-se numa situação critica, de falência iminente como são os casos dos países europeus em crise, designadamente Portugal, Itália, Irlanda, Grécia e Espanha (Piigs). Tal situação de colapso do sistema é, sem duvida, o culminar de políticas e medidas de gestão erradas adoptadas em algum momento no passado de cujo impacto deve-se tirar algumas ilações.

No seu relatório «Global Risks 2010» apresentado em Davos, a organização internacional World Economic Forum alerta para o facto de que “a crise económica vai continuar a fazer-se sentir a longo prazo, com tendência para o aumento de desemprego, falência dos sistemas de segurança social, aumento da insegurança e migração descontrolada”.

Em 2005, o jornal português Expresso Online escrevia o seguinte: “A falência do sistema de segurança social pode acontecer em 2011. Esta é a principal conclusão de um estudo coordenado pelo ex-presidente do Instituto de Gestão dos Fundos de Capitalização da Segurança Social, professor associado do ISEG,” e relator de um estudo anterior intitulado, Livro Branco da Segurança Social.

Para melhor compreender a vulnerabilidade de um sistema de segurança social é necessário atentar ao seu mecanismo de funcionamento nas duas etapas da sua existência.

Há dois momentos distintos na evolução de qualquer sistema de previdência social. Na primeira fase de seu funcionamento, aproximadamente nos primeiros 30-40 anos, o sistema é, via de regra, inundado de fundos, detém um grande excedente de recursos financeiros. Estando na sua fase de arranque, existe toda uma geração a descontar, a contribuir para o sistema, sem contudo, existir uma geração de aposentados que poderia sobrecarregar os encargos com os benefícios previdenciários nesta etapa. Num sistema tradicional de capitalização, os recursos são bem geridos e o excedente investido em aplicações que dão garantias por forma a financiar benefícios futuros e amparar o sistema em situações de crise.

Entretanto, nem sempre é o que acontece. Manipulações políticas, com a utilização dos excedentes financeiros da previdência social para fins não previstos na lei e a aplicação dos recursos em negócios de duvidosa viabilidade e rendibilidade futura, entre várias outras medidas inadequadas, podem a longo prazo comprometer a sustentabilidade financeira do sistema.

Isto porque, ultrapassada a fase de abundância de recursos, a primeira geração de contribuintes entra na faixa etária de aposentação o que vai aumentar sobremaneira os encargos previdenciários. Nessa segunda etapa, o sistema de previdência social passa a funcionar num regime conhecido por “pay-as-you-go”, ou seja, o recolhimento das contribuições actuais destinam-se a financiar os benefícios dos aposentados atuais. Por outras palavras, cada geração de trabalhadores no activo suporta os benefícios da geração anterior. Não há excedentes a investir.

Se uma espécie de backup financeiro (reserva de contingência) não tenha sido feito aquando da existência de excedentes financeiros, tendo em conta que na etapa subsequente dificilmente haverá recursos em excesso para investir, o sistema estará bastante vulnerável a factores adversos que podem perturbar o delicado equilíbrio entre as receitas e os encargos a suportar num regime de “pay-as-you-go”.

De facto, um rol de factores susceptíveis de perigar o sistema podem surgir com o evoluir do tempo. Uma situação de crise económica com impacto negativo na taxa de desemprego pode estremecer as suas finanças. Uma crise económica actua como uma faca de dois gumes: Reduz as receitas contributivas em consequência do aumento da taxa de desemprego e contribui para o aumento dos encargos, designadamente com o subsidio de desemprego, entre outros.

Se a inflação se acelerar, os pagamentos de benefícios indexados vão aumentar mais rapidamente do que o esperado. O aumento da esperança média de vida de gerações futuras, facto que assume uma tendência natural com a melhoria das condições de vida e avanços na medicina, também contribui para o aumento dos encargos do sistema, situação a que os governos procuram contrapor com o aumento da idade de reforma. O envelhecimento da população e a queda da taxa de natalidade são outros fenómenos demográficos com forte impacto nas finanças do sistema.

Numa situação de colapso iminente e na mira de alcançar o equilíbrio mínimo do orçamento previdenciário surgem as medidas restritivas dos benefícios esperados, tais como, a redução das pensões, o aumento da idade de reforma e elevação da taxa de desconto dos trabalhadores no activo, medidas essas que em outras paragens desembocam em manifestações de protesto, confrontos com as autoridades policias e de um modo geral instabilidade social.

O aumento da idade de reforma para a faixa etária entre 68 a 70 anos tem sido tema de acirrada discussão pública em vários países do mundo que enfrentam sérias dificuldades de financiamento do seu sistema de previdência social. A Grécia é o caso mais emblemático da actualidade. Uma das exigências do plano de austeridade imposto pelos credores, FMI e UE é exactamente o aumento da idade de aposentação entre varias outras medidas que estão na base dos confrontos e instabilidade social que temos vindo a acompanhar através dos noticiários.

Vem, este pequeno texto, a propósito de noticias veiculadas pelos órgãos de comunicação social de que estão sendo tomadas medidas que podem perigar o sistema de previdência social em Cabo Verde. A realidade de muitos países podem nos servir de exemplo. Lá dizia o velho ditado: O homem sensato aprende pelo erro dos outros.




sexta-feira, 17 de junho de 2011

AS PERSPECTIVAS DE DESENVOLVIMENTO DA INDUSTRIA DE AVIAÇÃO COMERCIAL

Por três dias, de 5 a 7 de Junho, a cidade de Singapura converteu-se na capital mundial da indústria da aviação, tendo acolhido o Fórum Anual da Associação Internacional de Transportes Aéreos, o maior acontecimento anual da aviação internacional por reunir num único evento todos os intervenientes do sector, desde companhias aéreas, administração aeroportuária, navegação aérea, sistemas de distribuição e comercialização a fabricantes de aeronaves como Airbus e Boeing. A escolha de Singapura, decerto, não terá sido por mero acaso. Esse pequeno país asiático é um dos baluartes da aviação comercial, servindo-se como importante hub entre o ocidente e o oriente e detém uma das maiores companhias aéreas do mundo: a Singapura Airlines.

Temas candentes do sector foram discutidos ao mais alto nível nesse AGM da IATA, sigla em inglês que designa o referido fórum, em que cerca de 700 participantes se fizeram presentes, líderes de aproximadamente 230 companhias aéreas do mundo, e participantes de inúmeras outras actividades conexas.  

Em seu ultimo discurso e em jeito de despedida, porquanto vai-se aposentar a partir do próximo mês, o até agora, Director Executivo da IATA, o italiano Giovanni Bisignani fez uma retrospectiva do período  (2002 – 2011) em que esteve a liderar a IATA, destacou as grandes conquistas da aviação nesse período, com particular incidência nas questões chaves como, segurança aeronáutica, desafios ambientais e ganhos de eficiência com impacto directo na redução de custos. Por outro lado, esse dirigente delineou, as perspectivas do desenvolvimento futuro da industria num cenário estratégico, fruto de um trabalho aprofundado de um grupo de especialistas da aviação, intitulado “Visão – 2050”.

De facto, a liderança de Bisignani, projectou a IATA para um patamar sem precedentes na historia dessa organização. Inovações em áreas-chaves da aviação foram implementadas durante a sua gestão.

A segurança aeronáutica aumentou significativamente com a instituição da Auditoria Operacional de Segurança da IATA (IOSA – IATA Operational Safety Audit) cuja certificação é pré-requisito para adesão a essa organização. De uma taxa de sinistralidade de 1 acidente por cada 1.6 milhões de voos, passou-se para 1 acidente em cada 4 milhões de voos com a implementação da referida auditoria.

No período pós-11 de Setembro, as companhias aéreas passaram a suportar gastos numa média de 7.4 bilhões de dólares, no domínio de segurança das operações. Hoje, a aviação é, sem duvida, mais segura, entretanto os procedimentos de verificação pré-embarque para o passageiro representa normalmente um grande aborrecimento, assumindo por vezes contornos de um tratamento pouco digno quando obriga o passageiro a retirar peças do vestuário (cinto, calçado, etc). A IATA concebeu a ideia de um “Checkpoint do Futuro” a funcionar com base em dados biométricos dos passaportes e intercâmbio de informações entre os Estados com o propósito de minimizar os incómodos subjacentes ao processo de verificação de segurança que antecede ao embarque.

Actualmente, com o respaldo da ICAO (International Civil Aviation Organization) e sob estreita coordenação da IATA, 19 países, incluindo os Estados Unidos, estão trabalhando na definição dos padrões de um “Checkpoint do Futuro” nos aeroportos. A ideia é de que nem todos os viajantes oferecem o mesmo grau de risco, dai a necessidade de adequar os métodos de verificação ao grau de risco presumível de cada passageiro, visando essencialmente identificar passageiros com intenções perigosas ao invés de focar unicamente em detectar objectos perigosos.

No concernente a ganhos de eficiência, as companhias aéreas levaram a cabo uma reengenharia dos processos de distribuição e comercialização, entre varias outras inovações propostas pela IATA que contribuíram para uma poupança de aproximadamente 59 bilhões de dólares, no período 2004 – 2009. Só o programa “Simplifying the Business” cuja essência consiste na implementação da filosofia de paperless (eliminação de bilhetes de passagem em papel) contribuiu para uma redução de custos na ordem dos 17 bilhões de dólares na industria, a que se somam ganhos de eficiência em combustíveis, melhoria de produtividade,  negociações com fornecedores em regime de monopólio e redução da tributação.

Em matéria de responsabilidade ambiental concernente às alterações climáticas, a IATA conseguiu consenso entre os diferentes actores, que se prevê venha a resultar numa redução média anual das emissões de carbono em 1.5% até 2020. Segundo o relatório publicado pelo World Economic Forum (WEF), o sector da aviação contribui com 2% do total das emissões globais de CO2, aproximadamente 2 bilhões de toneladas por ano. A meta estabelecida pela IATA consiste em reduzir pela metade as emissões até 2050. A utilização de bio-combustíveis na industria de aviação, entre outros procedimentos operacionais a serem adoptados, constitui uma das alternativas para viabilizar o cumprimento desse compromisso, além de contribuir também para a redução de custos de operação.

O sector da aviação comercial movimenta um total de 600 bilhões de dólares anualmente. Cerca de 2 bilhões de passageiros e 40 milhões de toneladas de carga são transportados. A nível global, o maior desafio consiste em criar condições, seja em termos de infra-estruturas, seja a nível de tecnologia, para se lidar com um volume de tráfego de 16 bilhões de passageiros e 400 milhões de toneladas de carga em 2050.

O documento “Visão – 2050” aponta para a necessidade da construção de uma plataforma baseada numa liderança renovada, inovação contínua, e uma posição conjunta dos diferentes intervenientes para se enfrentar os desafios e encontrar soluções sustentáveis. Soluções baseadas nos avanços tecnológicos para os desafios ambientais e de segurança, bem assim para o desenvolvimento de aeroportos inteligentes para atender demandas futuras. A aviação comercial tem-se revelado cada vez mais como uma industria global que requer também soluções globais.

Na Europa, por exemplo, a problemática em torno do encerramento do espaço aéreo em consequência das cinzas vulcânicas provenientes da Islândia deixou evidente a necessidade de haver uma política de gestão do tráfego aéreo que vai além das fronteiras nacionais.

A rentabilidade sustentável será o maior desafio para uma indústria com um retorno líquido de 0,1%  nas últimas quatro décadas. Efectivamente, a industria da aviação é um sector vulnerável a factores de riscos não-controláveis e a conjuntura actual caracteriza-se pela escalada do preço do petróleo, desastres naturais e conflitos internacionais com repercussão negativa no mercado global. Para fazer face a tal situação a longo prazo é fundamental uma parceria mais forte em toda a cadeia de valor e uma actuação mais consentânea dos poderes públicos. Sendo um dos principais vectores do crescimento económico mundial, a industria da aviação tem se ressentido do peso da tributação e de regulamentações antiquadas em vários países do mundo.

As companhias continuam a defrontar uma legislação desnecessária e contraproducente elaborada em nome da defesa do consumidor. Denota-se, por exemplo, um certo exagero dos órgãos de regulamentação em responsabilizar as transportadoras por atrasos, quando na verdade a maioria das situações ocorrem por factores fora do controle das mesmas. A esse propósito, uma actuação pró-activa dos governos é invocada no âmbito do documento “Visão-2050”.

“Muitos elementos descritos na “Visão-2050” já existem e podem ser aproveitados. Temos de combinar as políticas pró-activas da Ásia, o planeamento coordenado que vemos no Oriente Médio, as grandes ideias que levaram a inovação na América do Norte e Europa, como a política de céu-aberto e a abordagem transnacional na gestão do tráfego aéreo praticada pela Agência de Navegação Aérea e Segurança em África (ASECNA)”, observou Bisignani.

Quem sabe, um dia, Cabo Verde também estará em condições de acolher um evento dessa envergadura. 


Publicado no Jornal A NAÇÃO Nº 198 de 15/06/2011

quarta-feira, 27 de abril de 2011

Taxa ecológica, taxativamente ecológica

Certo dia, um agente da policia de transito, tendo chegado ao fim do dia sem ter tido a chance de aplicar uma multa, avistou um conhecido padre da Cidade Velha a aproximar na sua motorizada. Fez sinal de parar, ao que o clérigo obedeceu prontamente, pediu documento, deu uma breve vistoria ao modesto veiculo, parecia estar tudo normal. Parecia... mas o perverso agente, sem nenhuma piedade, aplicou uma multa a esse pobre servo de Deus. O sacerdote, com a sua calma divina reagiu humildemente: Mas, senhor agente, porquê? Eu vinha tranquilamente, eu e Deus, sem infringir absolutamente nada, porquê a multa? E o agente atirou-lhe esta: É exactamente isso, senhor Padre, Deus! Deus vinha sem capacete!

Agora, falando sério, essa tal taxa ecológica, faz lembrar essa anedota. Em meio a uma crise alguém surge com uma ideia genial, mais uma taxinha, o povo aguenta. Sempre aguenta! Provavelmente a cumprir a sina da convergência normativa, uma canga que nos vem sendo imposta em nome da parceria especial, OMC e quejandos.

TAXA ECOLOGICA!? Porquê, e para quê? E a contrapartida!? Onde? Quando? E como? O ABC do direito tributário nos ensina que ao contrario do imposto, a taxa implica sempre uma contrapartida de algo que se recebe em troca. No caso da taxa ecológica qual é a contrapartida? Será que já foi instalado algum sistema de recolha selectiva do lixo? Já existe alguma unidade de tratamento do lixo? Já foi implantado alguma infra-estrutura de reciclagem e re-aproveitamento das embalagens vazias? Como ficam o lixo e a poluição industrial produzidos em Cabo Verde?

Efectivamente as taxas são uma espécie de parasita ou praga devastadora que aos poucos vão corroendo o nosso orçamento familiar a ponto de chegarmos numa altura em que esse pobre ordenado será apenas para pagar as taxas. Vejamos uma pequena amostra.

Taxa ecológica, esta, ignorando o tempo de crise em que nos encontramos, com o aumento exorbitante dos preços dos combustíveis e dos géneros de primeira necessidade, foi importada directamente da Europa para as ilhas. Com urgência, porque senão iríamos ficar entulhados em garrafas e latas vazias. Não seria aconselhável aguardar que a crise amainasse? Numa hora de apertos com o preço do pão e da água a marinhar por faixas não comestíveis, esse encargo adicional é, de facto, taxativamente ecológico.

Taxa de manutenção rodoviária, seu habitat são os postos de combustíveis. Ao parar num posto para abastecer o seu veiculo recebes sete ferroadas por litro que adquirir. Dizem que é para tapar buracos na estrada. E o buraco que fica no bolso, quem o tapa? Da ultima vez que estive na ilha Brava desloquei-me da Vila de Nova Sintra ao Cachaço num desses nossos conhecidos mini-bus, o tal Hiace. A certa altura o motorista que faz este percurso diariamente diga-se, aos ziguezague para driblar buracos, atirou-me esta: Esta a ver o estado desta porcaria de estrada, entretanto pagamos sete escudos por litro de combustível para a sua manutenção.

Taxa de RTC[1], esta virou endémica, com tendencia a cair no esquecimento. Persiste disfarsada, por entre folhagens de facturação, numa camuflada simbiose eléctrica, ignorando que actualmente existem várias opções em termos de canal televisivo. 
Moradores de Fajã d’Agua, consolem-se, consolem-se!

Um conhecido meu, do interior da ilha do Fogo, depois de algum esforço lá conseguiu por a funcionar um pequeno aviário para ajudar nas despesas da família. Depois de passar pelo calvário da Electra, como é de praxe, fizeram-lhe ligação de electricidade nas instalações. Entretanto, já na primeira factura lá estava escarrapachada a taxa de RTC. Galhofeiro como ninguém sabe ser, atirou esta para quem quisesse ouvir: Caramba! ainda, nem sequer comprei televisão para as galinhas!

Taxa de iluminação publica, esta continua á espreita. É como quem, estando no aconchego da sua cama, protegido por uma rede, ouve o zumbido frenético de um mosquito faminto que busca uma chance de ferroar a vitima. Mais tarde ou mais cedo esta praga acabará por se alastrar.

E assim, de taxa em taxa vamos seguindo, até que um dia a taxa (do covato)
nos encaixa, para sempre...

[1] Taxa cobrada pelo serviço público de televisão em Cabo Verde na factura de electricidade.

O XEFI

Quando McGregor concebeu a TEORIA X, estaria, este pensador americano, a imaginar um Chefe com X? É bem provável. Veja o que uma jornalista da destak.pt, Isabel Stilwell, nos diz sobre este assunto num artigo intitulado "Maus chefes provocam ataques de coração", trecho que com devida vénia transcrevo aqui.

“... se quer mesmo garantir a sua sobrevivência, e apesar da dificuldade em encontrar novos empregos, fuja a sete pés dos chefes incompetentes, irascíveis e injustos, porque o efeito desta gente sobre a sua saúde pode revelar-se mortal. Pelo menos é o que diz o estudo de uma equipa sueca que acompanhou mais de 3 mil trabalhadores homens, com idades entre os 18 e os 70 anos.

A primeira tarefa pedida às cobaias foi a de que avaliassem a competência e o carácter de quem geria o seu trabalho. Depois, durante uma década, a sua saúde foi sendo avaliada, registando-se neste período 74 casos de empregados vítimas de problemas cardíacos graves, nalguns casos até fatais. Do estudo à lupa de todo este trabalho, foi possível perceber que existe, de facto, uma relação directa entre a doença e os maus chefes. Era esse o factor de risco que todos tinham em comum, e que assumia mais peso do que factores de risco como o tabaco, ou a falta de exercício.

Descobriram, ainda, que o efeito que um incompetente a mandar provoca é cumulativo, ou seja, se trabalhar para um idiota aumenta em 25% a probabilidade de um enfarte, essa probabilidade crescia para 64% se o trabalhador se mantivesse naquela situação por mais de quatro anos.

A explicação é relativamente simples: quando alguém se sente desvalorizado, sem apoio, injustiçado e traído, entra em stress agudo que leva à hipertensão e a outros distúrbios que deterioram a saúde do trabalhador. Daí a importância do apelo que estes especialistas fazem de que as estruturas estejam atentas e «abatam» rapidamente os chefes que não merecem sê-lo.”

De facto, o chefe “tipo Xerife” preocupa, não com decisões estratégicas de gestão, mas sim, com medidas de coacção e de controles burocráticos. Desperdiça tempo e recursos com pormenores sem muita expressão, implementando, aprimorando ou desenvolvendo ferramentas que lhe permite controlar situações rotineiras, aspectos de natureza puramente secundaria que não agregam valor ao resultado final da organização, servindo tão somente para aporrinhar a vida dos outros.

É sabido que o sucesso de uma organização depende em grande parte da capacidade de liderança de quem a dirige. Entretanto existe uma grande diferença entre um “chefe” e um “líder”. Chefe é alguém que exerce uma autoridade administrativa para defender interesses burocráticos, enquanto que o Líder é uma pessoa que, em virtude das suas capacidades de comunicação e de exercer influencia sobre os outros, dirige a organização com a participação activa dos seus membros, procurando sempre alcançar um objectivo que dignifique a organização.

quarta-feira, 9 de fevereiro de 2011

E SE VIVÉSSIMOS EM PERMANENTE CAMPANHA ELEITORAL!


Circulou por e-mail e, provavelmente, deve ter ido parar ao seu inbox, uma parábola que narra a história de um tal fulano que, depois da morte, já no céu, foi confrontado a escolher entre o paraíso ou o inferno para passar a sua eternidade. Apesar de ter optado, sem qualquer hesitação, pela primeira alternativa, São Pedro convenceu-lhe a dar uma olhada no território de ferrabrás. E assim foi. Entretanto, tendo encontrado um ambiente de euforia, uma festança à tripa forra, comunicou, de imediato, a São Pedro, a sua decisão de lá permanecer. No dia seguinte, porém, o inferno transformou-se num lugar deplorável, triste e sem aquela agitação animada do dia anterior. O infeliz foi, então, reclamar com o chefe, de quem obteve a seguinte resposta: Ontem estávamos em campanha eleitoral, meu caro.

Outro dia, fui até a um balcão da Policia Nacional para requerer uma declaração de extravio de documento para efeitos de emissão de segunda via do BI, conforme é de praxe. Foi simplesmente fantástico. O documento em questão foi passado na hora, de graça e com uma simpatia fora do comum. O formulário já estava carimbado, assinado e tudo. Só coloquei meus dados e pronto. Ficou pronto, assim, num ápice.

Surpreendido com inusitada celeridade, comentei com a agente que me atendeu. Não pode ser possível! Algum tempo atras, estive aqui a solicitar o mesmo documento para um parente meu, primeiro mandaram-me redigir um requerimento, depois entregaram-me um formulário para preencher e efectuar o pagamento nos balcões da Caixa, de seguida, esperei pelo despacho do chefe e no final de uma semana passei pela terceira vez aqui para fazer o levantamento da declaração. E agora, despachas-me assim, zás, num piscar de olhos! E ela, com um sorriso visivelmente afável, fez-me lembrar que “Estamos em campanha eleitoral.” Ah bom! percebi...

Sorte minha, o BI também foi totalmente gratuito, incluindo fotografia colorida tirada na hora e no local. Ah se a campanha eleitoral fosse para sempre!

Macacos me mordam! gente fina, pessoas que estamos habituados a ver apenas na televisão, ou a circular em carrões, vidro fumado, as vezes com escolta e tudo, assim de repente, largam toda essa mordomia, e viram amigos de todo mundo, estendem a mão a qualquer um, lançam-se afanosamente pelos cobons, achadas e ribeiras, feito condenado em busca de salvação, vão ao pelourinho, abraçam o povo, distribuem beijinhos a tudo quanto é rosto humano que se lhes apresenta, sobem ladeiras e cutelos incansavelmente, em busca desse elemento mágico do sistema democrático: o voto. É como quem diz, de grão a grão enche a galinha o papo.

À noite, regressam cansados, todos cuspidos de tanto beijocar o povo e com aquele típico odor apanhado nos abraços de quem labuta o dia inteiro para ganhar a vida. A democracia é fixe! mas tem essa grande chatice, O lado menos aprazível talvez seja esta obrigação que, os que praticam o dito ofício, tem de periodicamente se chafurdar com o povão. Agora começo a entender qual é o maior pavor dos tiranos.

E, eu que faço parte do povão, até ouvi dizer que andaram a distribuir isto mais aquilo. Fulano, deram-lhe uma televisão. Sicrano finalmente conseguiu ligação de água em sua casa. Bem que estava precisando de umas duas caixas de mosaico para dar um jeito lá em casa, mas ninguém me ofereceu nada. Será que ninguém sentiu coragem de se aproximar de mim e tentar pechinchar meu voto. Ou será que tudo não passa de imaginações das língua-de-víboras.

E o infeliz que julgou que a festança fosse para continuar, levou, já no dia seguinte, uma cacetada com o aumento do preço dos combustíveis que alimentam todas as fogueiras do inferno.

A gente se vê na próxima campanha, até lá!


Publicado em 07 de Março de 2011 em: