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sexta-feira, 15 de outubro de 2010

CRISE FINANCEIRA MUNDIAL - QUEM PAGA AS CONTAS?

Em 1993 Bill Clinton assumia a presidência dos EUA numa conjuntura de particular optimismo à escala mundial. A queda do muro de Berlin, em Novembro de 1989, marcara o fim da guerra fria e da divisão do mundo em blocos antagónicos e encerrou um ciclo histórico, dando início a uma nova era com o relançamento da globalização económica. O desenvolvimento tecnológico, particularmente das tecnologias de informação, o surgimento da telefonia celular, a massificação da Internet imprimiram uma nova dinâmica à economia dos Estados Unidos e do resto do mundo por arrastamento.

Uma Nova Economia baseada na alta tecnologia começava a expandir-se e a desencadear uma espiral de acumulação de riquezas e progressos sem limites. Segundo opinião de especialistas dessa Nova Economia Neo-liberal, as inovações tecnológicas produzem rendimentos que estimulam um processo de inovação continua, que por sua vez incentiva a expansão e acumulação de riquezas. A cotação das acções de empresas online conhecidas por “ponto-com ou dot-com”, das quais se destaca a Amazon.com, disparou nas bolsas de valores, a partir de 1997.

O sucesso do comércio electrónico e a ilusão da possibilidade, quase ilimitada, de fazer negócios online fizeram crescer de modo vertiginoso o interesse pelas acções das empresas “dot-com”. As acções da Amazon.com, por exemplo, cresceram de 18 dólares aquando da Oferta Pública Inicial em Maio de 97 para o valor recorde de 209 no início de 1999. Um importante executivo de uma dessas empresas teria afirmado que “nesse admirável mundo novo para que as pessoas enriqueçam, basta haver vontade e desejo.” A especulação desenfreada nos mercados de acções começou a partir de 1997 a inflar a chamada “bolha financeira da Internet” que viria a estourar no ano de 2000, exactamente no fim do mandato de Clinton. O sucesso das empresas “ponto-com” desfez-se como um castelo de areia e trilhões de dólares “sumiram” num passe de mágica, habilidade que provavelmente acontece apenas nas bolsas de valores.

O presidente Bush assumiu-se como inquilino da Casa Branca, em 2001, numa altura em que a economia dos Estado Unidos encontrava-se em situação debilitada. Nos dois primeiros anos da sua administração a economia não demonstrava sinais de recuperação, permanecendo em relativa letargia. Era urgente, por isso, implementar medidas que dessem alento ao mercado.

Assim, em 2003, o Banco Central americano (Federal Reserve, o Fed), com o propósito de reanimar a economia, decidiu fixar a taxa de juros a 1%, a mais baixa nos últimos 50 anos. Com os juros a esse nível e outros incentivos públicos, desencadeou-se uma avalanche de empréstimos hipotecários sobre habitações sobretudo no segmento da população de baixa renda e portanto com maior risco de insolvência, o chamado segmento subprime. A valorização dos imóveis atingiu níveis sem precedentes e o negócio imobiliário surgiu como o novo trampolim de acumulação de riquezas. O acesso ao crédito fácil e barato, fez disparar o consumo e uma nova euforia tomou conta dos mercados, com o negócio imobiliário a movimentar trilhões de dólares.

À semelhança do que acontecera com as empresas “ponto-com”, estava-se a inflar uma segunda bolha financeira com a especulação nas Bolsas a ultrapassar todos os limites. Temendo que a febre do consumismo aquecesse também a inflação, o Fed foi gradualmente aumentando a taxa de juros: de 1% em 2003 atingiu o patamar de 5.5% no início de 2007. A taxa básica de referencia do Banco Central tem impacto directo na taxa de juros dos bancos comerciais, de modo que, com os sucessivos aumentos os mutuários começaram a ter dificuldades em honrar os compromissos bancários, e a situação de endividamento rapidamente transformou-se numa bola de neve.

Os primeiros sinais de perturbação partiram do Banco BNP Paribas Investment Partners em Agosto de 2007. Seguiram-lhe o Citigroup, UBS, Bear Strearns, grupos financeiros de porte mundial que anunciaram perdas de biliões no negócio de financiamento imobiliário.

O mercado caiu em pânico, os preços dos imóveis entraram em queda livre e um ano depois a crise financeira mundial estava confirmada, com a falência anunciada de gigantes do sector financeiro como o banco Lehman Brothers, a seguradora AIG e das gigantes hipotecárias Fannie Mae e Freddie Mac entre várias outras instituições do sector financeiro.

Com efeito, o financiamento do mercado imobiliário americano, um negocio que ascende à cifra de 12 trilhões de dólares, envolve bancos europeus e asiáticos, por isso o estrago em pouco tempo espalhou-se pela teia financeira mundial, arrastando consequências mais gravosas que no caso da derrocada das empresas “ponto-com” em que o rombo fora calculado em apenas 3 trilhões de dólares.

As coisas chegaram a um ponto em que os governos têm que entrar em acção, para evitar o pior. Assim, um pouco por toda a parte, os governos vão injectando dinheiro dos contribuintes para socorrer as instituições financeiras afectadas pela crise. Portanto, quem irá pagar as contas dessa desgraçaria toda, são os que nada têm a ver com essa história: Os contribuintes, o cidadão comum. Numa linguagem mais crua é o que se pode chamar de “roubar aos pobres para distribuir aos ricos”.


Publicado no Liberal em 23/03/2009

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