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quarta-feira, 27 de outubro de 2010

O DESPORTO E A AFIRMAÇAO DA IDENTIDADE NACIONAL

Você, que esta lendo este pequeno texto, consegue imaginar uma grande festa nas ruas do Rio de Janeiro com o carioca todo trajado a vermelho a comemorar o triunfo do Benfica como campeão de Portugal? Arre! Absolutamente impossível idealizar semelhante cenário surreal, embora o Brasil tenha sido colónia de Portugal, à semelhança de Cabo Verde. O povo brasileiro alcançou a sua emancipação como nação que soube construir uma identidade própria que o define e caracteriza a nível mundial e que, no essencial, assenta sobre os três pilares da cultura brasileira: Futebol, Samba e Carnaval.

Nós, os cabo-verdianos, temos um défice em relação a nossa identidade nacional, muito embora o povo destas ilhas tenha procurado, desde muito cedo, afirmar-se pela via da construção de uma identidade própria edificada por componentes linguisticos, musicais e literários de matizes bem distintas da cultura do colonizador. No campo desportivo, contudo, existe um longo caminho a percorrer, até a conquista da nossa auto-afirmação e assim deixarmos de venerar o futebol português.

O desporto entendido como um fenómeno social, afigura-se como um importante elemento aglutinador da identidade cultural de um povo, pela sua capacidade de fomentar o sentimento de pertença, de união, de identidade e de nacionalismo. Sempre foi assim, desde os tempos remotos, pelo que não se pode aceitar com normalidade, entre nós, esse estranho fenómeno de admirar, festejar e venerar clubes, atletas e vitorias dos outros. Sim dos outros! Do antigo colonizador.

“Mulheres, homens, jovens, crianças de vermelho vestidos abraçavam-se, beijavam-se, para comemorar o título do campeão português de futebol...”. Ao ler este trecho de uma noticia aqui no país, um visitante recém-chegado teria perguntado, meio confuso: Mas, afinal, estou em Portugal ou em Cabo Verde!?

Não se pode subestimar a importância do desporto como elemento marcante da identidade de um povo. É difícil falar da Grécia antiga, por exemplo, sem se referir à cidade de Olímpia e às suas famosas competições desportivas entre as Cidades-Estados que periodicamente ali decorriam. Uma das virtudes da civilização grega, é sem dúvida, o legado dos jogos olímpicos que o povo helénico nos transmitiu desde a era Antes de Cristo.

Em Cabo Verde, as várias conquistas nos diversos sectores da cultura cabo-verdiana designadamente na literatura, com o movimento claridoso a traçar um caminho totalmente autónomo, muito antes da independência política das ilhas, não tiveram o mesmo paralelo no campo desportivo como teve na música e noutras esferas da cultura cabo-verdiana.

Há bem pouco tempo, Mário Soares, numa das suas tiradas totalmente extemporânea, defendeu que Cabo Verde não deveria ter sido independente e que o arquipélago teria muito a ganhar se mantivesse sob domínio de Portugal. O que este político português provavelmente não sabe, é que no domínio do desporto o cabo-verdiano continua vassalo de Portugal e é precisamente neste sector onde menos avançamos. Estou convencido de que só conseguiremos algo de positivo a nível do desporto, no dia em que o cabo-verdiano alcançar maturidade suficiente, nesta matéria, e passar a apoiar os clubes, as conquistas e as vitorias dos atletas nacionais e, deste modo, festejarmos o que, de facto, é nosso!

Nessa luta temos um grande opositor a vencer. Trata-se da mídia cabo-verdiana que nos tem prestado um mau serviço. Quantas vezes já tivemos a oportunidade de observar que enquanto se disputa uma partida de futebol no Estádio da Varzia a televisão nacional transmite jogo de algum campeonato europeu? Alias ninguém entende por que razão a televisão nacional, dá-se ao luxo de alterar totalmente a sua programação habitual, inclusive o Jornal Nacional das 20 horas, para transmitir um jogo qualquer do campeonato português.

Resta-nos o conforto das palavras do Senhor Ministro da Educação e Desportos que ao anunciar a aprovação da nova lei de base do sistema desportivo cabo-verdiano,  vaticinou que  “Estamos a construir uma nova era no desporto no País”. Oxalá que esta visão signifique um passo para a conquista da nossa independência nesse sector. Amém! 

Publicado no Jornal  "A NACAO" Nº 142 de 20/05/2010  e no Liberal

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