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terça-feira, 5 de outubro de 2010

ALGUMAS OBSERVACÕES SOBRE: A LIBERALIZAÇÃO DO ESPAÇO AÉREO ENTRE CABO VERDE E PORTUGAL

Está finalmente assinado um novo acordo aéreo que ira estabelecer novas regras de comercialização do trafego aéreo entre Portugal e Cabo Verde. O actual acordo em vigor desde Julho de 1976 com a sua publicação no B.O. numero 27 de 06 de Julho/76, estabelece que da parte cabo-verdiana compete aos Transporte Aéreos de Cabo Verde a exploração comercial da Linha Cabo Verde – Portugal e da parte portuguesa os Transportes Aéreos Portugueses. Ora, o que esta em jogo, com a assinatura de um novo acordo,  trata-se no essencial da abertura da linha a terceiros operadores – multi-designação - além das duas companhias de bandeira que durante estes vinte e sete anos tem usufruído da exclusividade  comercial na linha, à luz do principio da uni-designação acordado pelos governos de Portugal e Cabo Verde. Alias principio este tradicionalmente  aceite e acordado entre os países, de modo que só muito recentemente com a dinâmica da evolução mundial e com o alastramento da concorrência a todos os sectores da actividade económica é que os governos começaram a negociar e aceitar a multi-designação, abrindo desta forma o mercado de transportes aéreos a livre concorrência.

Em relação a Cabo Verde também  a multi-designação já vigora como principio de exploração do trafego aéreo acordado entre o governo de Cabo Verde e o governo Italiano de modo que a competição entre os vários operadores de voos charters do norte de Itália e a companhia aérea nacional tem sido tão acérrima que a manutenção desta no mercado tem sido a custo de esforços colossais. Por motivos vários, a linha Cabo Verde - Portugal merece contudo atenção especial, pela importância que tem não só para a transportadora nacional mas também para a própria economia do pais. Uma linha tradicionalmente operada em regime regular, sendo de um  momento para outro “charterizada” terá implicações gravosas para as companhias designadas que não disporiam de tempo suficiente para ajustarem os seus processos internos e adequarem as políticas de comercialização a uma nova estrutura de mercado. Presume-se que a pretensão dos dois governos  consiste em modernizar o sector dos transporte aéreos com o fim do monopólio das duas companhias designadas, permitir a entrada de novos operadores, aumentar a capacidade de oferta,  baixar as tarifas praticadas no mercado, dinamizar o trafego turístico e estimular o segmento étnico a viajar com mais frequência.

 À parte o componente político ou eventuais pressões exercidas sobretudo por alguns operadores portugueses, questões que alias de modo algum nos interessa abordar, importa analisar a questão da multi-designação e as suas implicações na performance da transportadora aérea nacional. Vejamos por exemplo uma das preocupações que diz respeito ao aumento da capacidade disponível na linha. Muito se tem questionado sobre a oferta comercializada pelas duas companhias designadas, tendo sido criticadas por estrangularem o crescimento do mercado, inibindo o fluxo do trafego.

Os números falam por si. Segundo consta, em 1998 o trafego total transportado pelas duas companhias foi de aproximadamente 80 mil passageiros suportado por um programa de exploração que comportava 6 frequências semanais com reforço de capacidade oferecida durante os meses de maior procura; em 2000 o volume global catapultou para cerca de 100 mil passageiros transportados com base numa oferta de 10 frequências semanais realizados com aparelhos cuja capacidade media ronda os 200 assentos e em 2002 o potencial do mercado atingiu os 115 mil passageiros com duas frequências diárias operadas em parceria pelas duas empresas que exploram a rota o que corresponde a 14 frequências semanais. E evidente que um mercado com um potencial desta envergadura se revela apetecível e não é por acaso que uma determinada companhia portuguesa, por sinal operador charter, antecipou, investindo na implantação de instalações próprias mesmo dentro do recinto do aeroporto internacional Amilcar Cabral. Portanto as duas companhias aéreas souberam responder com eficiência e sobretudo com sensatez a expansão do mercado turístico português que procura o destino cabo-verdiano. Não ha razões para haver reclamações seja por parte dos operadores turísticos, seja das agencias direccionadas ao segmento étnico, no que tange a capacidade disponibilizada no mercado.

Outra preocupação: Permitir a entrada de novos operadores de transporte aéreo em regime de charter, pondo fim a exclusividade no mercado das duas transportadoras.

Ora, sendo a linha de Sal-Lisboa a que mais peso tem na geração de receitas para a transportadora nacional, a eminência da liberalização do espaço aéreo revela-se de certo modo inoportuna e até pode constituir um revés na actual estratégia da transportadora cuja precariedade da situação economico-financeira é por demais conhecida, tendo mesmo o actual conselho de administração assumido justamente o desafio de por a empresa nos trilhos e prepara-la para o processo de privatização, conforme ficou noticiado na altura da posse dos novos administradores. Não é de se estranhar, portanto, que tal decisão vai por em risco esse desafio e comprometendo os objectivos preconizados pela actual equipa do CA da empresa . É evidente que a perda de exclusividade no seu principal mercado, numa altura desta, teria implicações não só na sua avaliação no âmbito do processo de privatização mas também na atracção de eventuais  parceiros estratégicos.

Com efeito, quem anda no mundo de negócios sabe que a concorrência, quando devidamente regulamentada, é salutar não só para os que demandam bens ou serviços, mas também para quem os comercializa, porquanto obriga-os a primar pela qualidade e pela justeza do preço. Embora a questão de ausência de competição, literalmente  não se põe a nível da linha Sal-Lisboa, uma vez que as duas companhias sempre procuraram formas de conquistar à outra vantagens no mercado, seria  entretanto aconselhável uma abertura a multi-designação, condicionando a entrada de novas companhias ao regime de operação regular (não charter), e proporcionando as actuas companhias tempo suficiente, para se prepararem para uma realidade distinta de mercado.

Um operador de voos charters não tem necessariamente que manter os voos nos meses de fraca procura, contrariamente ao que acontece com uma companhia regular. Esta característica aliada ao facto de possuírem uma estrutura organizativa leve e custos enxutos proporciona aos operadores charters condições para despoletarem uma concorrência ruinosa no mercado.

Foi o que aconteceu, por exemplo com a Linha Paris – Martinica e Paris – Guadalupe, destinos turísticos tropicais com grande procura em França, cujo mercado, tendo sido liberalizado aos voos charters e após um período de euforia, entrou em colapso resultado da concorrência desenfreada dos operadores charters que, entretanto não sendo o mercado sustentável, acabaram por se retirar, deixando aquelas ilhas do Caraibe  em completo isolamento. A Air France, a pedido do governo Francês, acabou por aceitar reactar as ligações sob condição de ser em regime de exclusividade.

Ha contudo que reconhecer que mesmo havendo abertura a  multi-designação Cabo Verde continuara com o sistema de uni-designação: Pois, enquanto a parte portuguesa possui seis companhias aéreas de grande porte, com uma frota global de mais de 60 aviões de medio-longo curso a nossa única companhia nacional possui dois aparelhos de médio curso. 

Uma terceira motivação: Baixar as tarifas praticadas, dinamizar o trafego turístico e estimular o segmento étnico a viajar com mais frequência. É praticamente do conhecimento publico de que a exploração das rotas domesticas, com todos os seus condicionalismo, sempre revelou-se deficitária  e a manutenção da operação regular entre as ilhas (assegurado em alguns percursos, diga-se, a titulo de serviço publico)  tem sido suportado pelos resultados das rotas internacionais com destaque para a linha Sal – Lisboa.  Ora, uma repentina redução tarifaria motivada pela competição desencadeada pelas operações charters no seu principal mercado teria implicações imediatas nos resultados da empresa e por conseguinte no próprio funcionamento global da empresa.

Por outro lado, ha que reconhecer efectivamente que o componente “transporte aéreo” não tem constituído entrave ao desenvolvimento turístico seja a nível das tarifas praticadas, seja no que concerne a capacidade disponibilizada no mercado pelas duas companhias aéreas, como já se viu. Outros elementos tem de certa forma condicionado as opções do turista português que confrontado com outros destinos turísticos acaba por preterir Cabo Verde.

De facto, desembrulhando o pacote turístico cabo-verdiano oferecido no mercado português constata-se que os componentes com maior peso na estrutura do respectivo custo, a despeito de uma inferior qualidade comparativamente a outros destinos, são exactamente os que não dizem respeito ao transporte aéreo. De modo que, os elementos básicos da paisagem turística cabo-verdiana: Sol e praia já não constituem vantagens competitivas suficientes para fazer face a concorrência dos destinos das Caraíbas, por exemplo, que além destes, oferecem melhores qualidades em termos de acomodação e entretenimento, custo de vida relativamente inferior  e divisa com forte poder de compra local.

 A capacidade de oferta hoteleira é um outro condicionalismo, existem pois, épocas do ano em que mesmo havendo larga disponibilidade a nível de transportes aéreos a  limitação de capacidade de resposta dos hotéis obrigam o trafego a procurar outros destinos. Na pratica, o desenvolvimento do turismo em Cabo Verde esta condicionado ao crónico problema de falta de infra-estruturas, carência em termos de “entertainment”, padrão baixo de qualidade de serviços e o preço elevado a contrapor a tudo isto. Portanto a liberalização do espaço aéreo poderá não ter o impacto desejado no mercado, contribuindo provavelmente apenas para o “damping” tarifário.

Publicado em 15/04/2004

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