Páginas

sexta-feira, 17 de junho de 2011

AS PERSPECTIVAS DE DESENVOLVIMENTO DA INDUSTRIA DE AVIAÇÃO COMERCIAL

Por três dias, de 5 a 7 de Junho, a cidade de Singapura converteu-se na capital mundial da indústria da aviação, tendo acolhido o Fórum Anual da Associação Internacional de Transportes Aéreos, o maior acontecimento anual da aviação internacional por reunir num único evento todos os intervenientes do sector, desde companhias aéreas, administração aeroportuária, navegação aérea, sistemas de distribuição e comercialização a fabricantes de aeronaves como Airbus e Boeing. A escolha de Singapura, decerto, não terá sido por mero acaso. Esse pequeno país asiático é um dos baluartes da aviação comercial, servindo-se como importante hub entre o ocidente e o oriente e detém uma das maiores companhias aéreas do mundo: a Singapura Airlines.

Temas candentes do sector foram discutidos ao mais alto nível nesse AGM da IATA, sigla em inglês que designa o referido fórum, em que cerca de 700 participantes se fizeram presentes, líderes de aproximadamente 230 companhias aéreas do mundo, e participantes de inúmeras outras actividades conexas.  

Em seu ultimo discurso e em jeito de despedida, porquanto vai-se aposentar a partir do próximo mês, o até agora, Director Executivo da IATA, o italiano Giovanni Bisignani fez uma retrospectiva do período  (2002 – 2011) em que esteve a liderar a IATA, destacou as grandes conquistas da aviação nesse período, com particular incidência nas questões chaves como, segurança aeronáutica, desafios ambientais e ganhos de eficiência com impacto directo na redução de custos. Por outro lado, esse dirigente delineou, as perspectivas do desenvolvimento futuro da industria num cenário estratégico, fruto de um trabalho aprofundado de um grupo de especialistas da aviação, intitulado “Visão – 2050”.

De facto, a liderança de Bisignani, projectou a IATA para um patamar sem precedentes na historia dessa organização. Inovações em áreas-chaves da aviação foram implementadas durante a sua gestão.

A segurança aeronáutica aumentou significativamente com a instituição da Auditoria Operacional de Segurança da IATA (IOSA – IATA Operational Safety Audit) cuja certificação é pré-requisito para adesão a essa organização. De uma taxa de sinistralidade de 1 acidente por cada 1.6 milhões de voos, passou-se para 1 acidente em cada 4 milhões de voos com a implementação da referida auditoria.

No período pós-11 de Setembro, as companhias aéreas passaram a suportar gastos numa média de 7.4 bilhões de dólares, no domínio de segurança das operações. Hoje, a aviação é, sem duvida, mais segura, entretanto os procedimentos de verificação pré-embarque para o passageiro representa normalmente um grande aborrecimento, assumindo por vezes contornos de um tratamento pouco digno quando obriga o passageiro a retirar peças do vestuário (cinto, calçado, etc). A IATA concebeu a ideia de um “Checkpoint do Futuro” a funcionar com base em dados biométricos dos passaportes e intercâmbio de informações entre os Estados com o propósito de minimizar os incómodos subjacentes ao processo de verificação de segurança que antecede ao embarque.

Actualmente, com o respaldo da ICAO (International Civil Aviation Organization) e sob estreita coordenação da IATA, 19 países, incluindo os Estados Unidos, estão trabalhando na definição dos padrões de um “Checkpoint do Futuro” nos aeroportos. A ideia é de que nem todos os viajantes oferecem o mesmo grau de risco, dai a necessidade de adequar os métodos de verificação ao grau de risco presumível de cada passageiro, visando essencialmente identificar passageiros com intenções perigosas ao invés de focar unicamente em detectar objectos perigosos.

No concernente a ganhos de eficiência, as companhias aéreas levaram a cabo uma reengenharia dos processos de distribuição e comercialização, entre varias outras inovações propostas pela IATA que contribuíram para uma poupança de aproximadamente 59 bilhões de dólares, no período 2004 – 2009. Só o programa “Simplifying the Business” cuja essência consiste na implementação da filosofia de paperless (eliminação de bilhetes de passagem em papel) contribuiu para uma redução de custos na ordem dos 17 bilhões de dólares na industria, a que se somam ganhos de eficiência em combustíveis, melhoria de produtividade,  negociações com fornecedores em regime de monopólio e redução da tributação.

Em matéria de responsabilidade ambiental concernente às alterações climáticas, a IATA conseguiu consenso entre os diferentes actores, que se prevê venha a resultar numa redução média anual das emissões de carbono em 1.5% até 2020. Segundo o relatório publicado pelo World Economic Forum (WEF), o sector da aviação contribui com 2% do total das emissões globais de CO2, aproximadamente 2 bilhões de toneladas por ano. A meta estabelecida pela IATA consiste em reduzir pela metade as emissões até 2050. A utilização de bio-combustíveis na industria de aviação, entre outros procedimentos operacionais a serem adoptados, constitui uma das alternativas para viabilizar o cumprimento desse compromisso, além de contribuir também para a redução de custos de operação.

O sector da aviação comercial movimenta um total de 600 bilhões de dólares anualmente. Cerca de 2 bilhões de passageiros e 40 milhões de toneladas de carga são transportados. A nível global, o maior desafio consiste em criar condições, seja em termos de infra-estruturas, seja a nível de tecnologia, para se lidar com um volume de tráfego de 16 bilhões de passageiros e 400 milhões de toneladas de carga em 2050.

O documento “Visão – 2050” aponta para a necessidade da construção de uma plataforma baseada numa liderança renovada, inovação contínua, e uma posição conjunta dos diferentes intervenientes para se enfrentar os desafios e encontrar soluções sustentáveis. Soluções baseadas nos avanços tecnológicos para os desafios ambientais e de segurança, bem assim para o desenvolvimento de aeroportos inteligentes para atender demandas futuras. A aviação comercial tem-se revelado cada vez mais como uma industria global que requer também soluções globais.

Na Europa, por exemplo, a problemática em torno do encerramento do espaço aéreo em consequência das cinzas vulcânicas provenientes da Islândia deixou evidente a necessidade de haver uma política de gestão do tráfego aéreo que vai além das fronteiras nacionais.

A rentabilidade sustentável será o maior desafio para uma indústria com um retorno líquido de 0,1%  nas últimas quatro décadas. Efectivamente, a industria da aviação é um sector vulnerável a factores de riscos não-controláveis e a conjuntura actual caracteriza-se pela escalada do preço do petróleo, desastres naturais e conflitos internacionais com repercussão negativa no mercado global. Para fazer face a tal situação a longo prazo é fundamental uma parceria mais forte em toda a cadeia de valor e uma actuação mais consentânea dos poderes públicos. Sendo um dos principais vectores do crescimento económico mundial, a industria da aviação tem se ressentido do peso da tributação e de regulamentações antiquadas em vários países do mundo.

As companhias continuam a defrontar uma legislação desnecessária e contraproducente elaborada em nome da defesa do consumidor. Denota-se, por exemplo, um certo exagero dos órgãos de regulamentação em responsabilizar as transportadoras por atrasos, quando na verdade a maioria das situações ocorrem por factores fora do controle das mesmas. A esse propósito, uma actuação pró-activa dos governos é invocada no âmbito do documento “Visão-2050”.

“Muitos elementos descritos na “Visão-2050” já existem e podem ser aproveitados. Temos de combinar as políticas pró-activas da Ásia, o planeamento coordenado que vemos no Oriente Médio, as grandes ideias que levaram a inovação na América do Norte e Europa, como a política de céu-aberto e a abordagem transnacional na gestão do tráfego aéreo praticada pela Agência de Navegação Aérea e Segurança em África (ASECNA)”, observou Bisignani.

Quem sabe, um dia, Cabo Verde também estará em condições de acolher um evento dessa envergadura. 


Publicado no Jornal A NAÇÃO Nº 198 de 15/06/2011

Sem comentários:

Enviar um comentário