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quinta-feira, 30 de junho de 2011

OS RISCOS DE UMA GESTÃO DANOSA DO SISTEMA DE PREVIDENCIA SOCIAL


É quase impossível imaginar a sociedade contemporânea sem um sistema de segurança social pela importância que este tem como instrumento de combate à pobreza, de redução das desigualdades sociais e de melhoria do bem-estar social, cabendo-lhe igualmente um papel importante no sector económico pelo efeito multiplicador dos recursos injectados através do pagamento dos benefícios que em muitos países ronda a cifra dos 20% do BIP.

Obviamente que nem sempre foi assim. O que hoje conhecemos por segurança social, provavelmente, deve ter a sua origem nas acções esporádicas de caridade e assistência beneficente levadas a cabo por instituições religiosas para socorrer os indigentes na penúria e famílias depauperadas ao longo dos tempos. Na Roma antiga e posteriormente na idade média, surgiram as primeiras preocupações dos homens livres em encontrar alguma forma de se precaverem economicamente para enfrentarem situações de perda de capacidade laboral. Com efeito, é na Inglaterra do século XVII que vamos encontrar a primeira referencia da intervenção do Estado nessa matéria, onde foi adoptada a famosa lei de amparo aos pobres (Poor Relief Act). Mais tarde, no século XIX, na Alemanha, surgiram efectivamente os primeiros elementos da base jurídica do que é hoje a segurança social com a implementação por Otto Bismarck da lei de acidentes de trabalho, do seguro de doença, de acidente ou invalidez, entre outras.

A revolução francesa inspirada nos ideais de liberdade, igualdade e fraternidade trouxe uma nova abordagem às causas sociais, mas o impulso maior adveio da declaração Universal dos Direitos Humanos (1948) em que ficou expresso que  “Toda pessoa tem o direito a um padrão de vida capaz de assegurar-lhe a saúde, e o bem-estar próprio e da família, especialmente no tocante à alimentação, ao vestuário, à habitação, à assistência médica e aos serviços sociais necessários; tem direito à segurança no caso de desemprego, doença, invalidez, viuvez, velhice ou em qualquer outro caso de perda dos meios de subsistência, por força de circunstâncias independentes de sua vontade”.

Das manifestações iniciais de cunho essencialmente assistencialista através das casas de misericórdia, passando pelo regime mutualista, como por exemplo o Montepio, a segurança social aos poucos foi se convertendo num sistema universal no atendimento e assistência, através de um dos seus eixos de actuação que é o sistema de previdência social de hoje, em que “todos contribuem para todos”.

Se por um lado, é um instrumento insubstituível nas sociedades hodiernas,  também, não é menos verdade que em muitos países do ocidente esse sistema encontra-se numa situação critica, de falência iminente como são os casos dos países europeus em crise, designadamente Portugal, Itália, Irlanda, Grécia e Espanha (Piigs). Tal situação de colapso do sistema é, sem duvida, o culminar de políticas e medidas de gestão erradas adoptadas em algum momento no passado de cujo impacto deve-se tirar algumas ilações.

No seu relatório «Global Risks 2010» apresentado em Davos, a organização internacional World Economic Forum alerta para o facto de que “a crise económica vai continuar a fazer-se sentir a longo prazo, com tendência para o aumento de desemprego, falência dos sistemas de segurança social, aumento da insegurança e migração descontrolada”.

Em 2005, o jornal português Expresso Online escrevia o seguinte: “A falência do sistema de segurança social pode acontecer em 2011. Esta é a principal conclusão de um estudo coordenado pelo ex-presidente do Instituto de Gestão dos Fundos de Capitalização da Segurança Social, professor associado do ISEG,” e relator de um estudo anterior intitulado, Livro Branco da Segurança Social.

Para melhor compreender a vulnerabilidade de um sistema de segurança social é necessário atentar ao seu mecanismo de funcionamento nas duas etapas da sua existência.

Há dois momentos distintos na evolução de qualquer sistema de previdência social. Na primeira fase de seu funcionamento, aproximadamente nos primeiros 30-40 anos, o sistema é, via de regra, inundado de fundos, detém um grande excedente de recursos financeiros. Estando na sua fase de arranque, existe toda uma geração a descontar, a contribuir para o sistema, sem contudo, existir uma geração de aposentados que poderia sobrecarregar os encargos com os benefícios previdenciários nesta etapa. Num sistema tradicional de capitalização, os recursos são bem geridos e o excedente investido em aplicações que dão garantias por forma a financiar benefícios futuros e amparar o sistema em situações de crise.

Entretanto, nem sempre é o que acontece. Manipulações políticas, com a utilização dos excedentes financeiros da previdência social para fins não previstos na lei e a aplicação dos recursos em negócios de duvidosa viabilidade e rendibilidade futura, entre várias outras medidas inadequadas, podem a longo prazo comprometer a sustentabilidade financeira do sistema.

Isto porque, ultrapassada a fase de abundância de recursos, a primeira geração de contribuintes entra na faixa etária de aposentação o que vai aumentar sobremaneira os encargos previdenciários. Nessa segunda etapa, o sistema de previdência social passa a funcionar num regime conhecido por “pay-as-you-go”, ou seja, o recolhimento das contribuições actuais destinam-se a financiar os benefícios dos aposentados atuais. Por outras palavras, cada geração de trabalhadores no activo suporta os benefícios da geração anterior. Não há excedentes a investir.

Se uma espécie de backup financeiro (reserva de contingência) não tenha sido feito aquando da existência de excedentes financeiros, tendo em conta que na etapa subsequente dificilmente haverá recursos em excesso para investir, o sistema estará bastante vulnerável a factores adversos que podem perturbar o delicado equilíbrio entre as receitas e os encargos a suportar num regime de “pay-as-you-go”.

De facto, um rol de factores susceptíveis de perigar o sistema podem surgir com o evoluir do tempo. Uma situação de crise económica com impacto negativo na taxa de desemprego pode estremecer as suas finanças. Uma crise económica actua como uma faca de dois gumes: Reduz as receitas contributivas em consequência do aumento da taxa de desemprego e contribui para o aumento dos encargos, designadamente com o subsidio de desemprego, entre outros.

Se a inflação se acelerar, os pagamentos de benefícios indexados vão aumentar mais rapidamente do que o esperado. O aumento da esperança média de vida de gerações futuras, facto que assume uma tendência natural com a melhoria das condições de vida e avanços na medicina, também contribui para o aumento dos encargos do sistema, situação a que os governos procuram contrapor com o aumento da idade de reforma. O envelhecimento da população e a queda da taxa de natalidade são outros fenómenos demográficos com forte impacto nas finanças do sistema.

Numa situação de colapso iminente e na mira de alcançar o equilíbrio mínimo do orçamento previdenciário surgem as medidas restritivas dos benefícios esperados, tais como, a redução das pensões, o aumento da idade de reforma e elevação da taxa de desconto dos trabalhadores no activo, medidas essas que em outras paragens desembocam em manifestações de protesto, confrontos com as autoridades policias e de um modo geral instabilidade social.

O aumento da idade de reforma para a faixa etária entre 68 a 70 anos tem sido tema de acirrada discussão pública em vários países do mundo que enfrentam sérias dificuldades de financiamento do seu sistema de previdência social. A Grécia é o caso mais emblemático da actualidade. Uma das exigências do plano de austeridade imposto pelos credores, FMI e UE é exactamente o aumento da idade de aposentação entre varias outras medidas que estão na base dos confrontos e instabilidade social que temos vindo a acompanhar através dos noticiários.

Vem, este pequeno texto, a propósito de noticias veiculadas pelos órgãos de comunicação social de que estão sendo tomadas medidas que podem perigar o sistema de previdência social em Cabo Verde. A realidade de muitos países podem nos servir de exemplo. Lá dizia o velho ditado: O homem sensato aprende pelo erro dos outros.




1 comentário:

  1. O homem sensato aprende pelo erro dos outros.
    O tolo só aprende pelos próprios erros.

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